quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A História da Matemática na Educação Matemática

De acordo com Miguel (2004), o recurso à História como uma tentativa de dar significado ao ensino da Matemática aparece nos livros didáticos brasileiros de Matemática do final do século XIX e começo do XX, a exemplo do que já ocorria na Europa um século antes, com a publicação da obra Elements de géométrie, de Aléxis Claude Clairaut, em 1741. Era manifestado pela apresentação de métodos produzidos historicamente ou de observações sobre temas e personagens da história da matemática e sofreu forte influência positivista, ao mesmo tempo em que utilizavam uma versão do "princípio genético" para o ensino da Matemática.

O "princípio genético" tem origem em uma lei biogenética defendida por Ernst Haeckel (1834-1919), que faz a seguinte afirmação: "a ontogenia recapitula a filogenia", ou seja, o desenvolvimento do embrião humano retraça os estágios pelos quais seus ancestrais adultos haviam passado. Em pedagogia, tal princípio é ligado à idéia de que o aluno percorre em seu aprendizado as mesmas etapas historicamente percorridas para a construção de um conceito. Vários matemáticos famosos se apresentaram partidários do uso pedagógico desse princípio, como Henri Poincaré (1854-1912) e Félix Klein (1849-1925) e concebiam a Matemática como uma acumulação linear e hierárquica de conhecimentos que deveriam ser recapitulados na escola nos processos de ensino-aprendizagem.

Piaget também adotou o princípio genético em seus trabalhos e escreveu, juntamente com Rolando Garcia, o livro Psicogênese e História das Ciências (1982). Nesse livro, os autores defendem a tese de que a construção do conhecimento se dá da mesma maneira nos planos psicogenéticos e filogenéticos, através de mecanismos que denominam abstração reflexiva e generalização completiva. Com tais mecanismos de passagem, o aprendiz adaptaria o saber constituído aos seus conhecimentos prévios para construir conhecimentos novos usando os processos de assimilação, acomodação e equilibração. Assim, para aprender Matemática o sujeito teria que reconstruir as mesmas operações cognitivas que marcaram a construção histórica dos objetos matemáticos, que abstraídos de suas situações concretas se tornariam exclusivamente objetos formais. O recurso à História da Matemática se apresentava como uma opção para a busca de conflitos cognitivos que possibilitassem a passagem de uma etapa da construção do conhecimento para outra de nível superior. Sob esta perspectiva teórica, a produção cultural das idéias da Matemática é tratada de uma forma internalista e estruturada, desligada de qualquer contexto, da mesma forma que se desconsidera o condicionamento sócio-cultural no desenvolvimento cognitivo do indivíduo.

Em busca de um enfoque mais sistêmico da didática da Matemática, Brousseau parte da noção de obstáculo epistemológico criada por Bachelard e constrói a Teoria das Situações Didáticas. Nela são consideradas as relações criadas em uma situação didática entre o aluno (ou os alunos), o entorno e o professor por um problema estabelecido para a reconstrução de um conhecimento. Nesse sentido, a aprendizagem por adaptação ao meio implica em rupturas cognitivas, acomodações e mudanças nos sistemas cognitivos, no uso da linguagem e nas concepções prévias. Apesar de adotar uma perspectiva piagetiana ao admitir a construção do conhecimento pela interação entre o sujeito e o objeto, a teoria da situação didática dá importância à gestão do professor da interação entre o subsistema aluno-saber e a situação-problema apresentada, o que acrescenta uma dimensão situacional ao processo de ensino-aprendizagem. A História da Matemática, nessa perspectiva, permitiria identificar os obstáculos epistemológicos superados na construção histórica de um conceito e os transformar em situações-problemas que permitissem a reconstrução do conhecimento matemático, ou seja, seria uma fonte de busca de problemas.

Para Miguel (2004), as novas perspectivas teóricas em construção no campo de investigação História na Educação Matemática defendem uma abordagem sociocultural que considere os significados em seus contextos específicos. A maior crítica é dirigida ao princípio recapitulacionista, que provoca um reducionismo de natureza sociológica ao identificar a cultura como algo externo, fonte de estímulos para desenvolvimentos conceituais e a cognição como algo interno, mero reflexo da cultura. O recurso à História da Matemática deve ser, então, baseado em um diálogo do passado com o presente e interpretado dentro das práticas sociais em que tal passado se achava envolvido. Desse modo, se deixaria de subordinar o presente ao passado e ao mesmo tempo de se fazer uma leitura da evolução dos conceitos da maneira que se acredita que eles tenham acontecido, derrubando a visão internalista do desenvolvimento da Matemática que essa leitura pressupõe.

Concordando com as proposições de Miguel (2004), procuramos definir o papel psicológico da História da Matemática na Educação Matemática. Ao ponderarmos sobre a importância das crenças, dos valores e da emoção nos aspectos cognitivos envolvidos no ensino e na aprendizagem da Matemática, não podemos nos furtar a esse exame das práticas sociais nas quais ocorreu o desenvolvimento da Matemática que hoje conhecemos. Sob essa perspectiva, as problematizações permitidas pelo conhecimento histórico da construção do conhecimento matemático são muito amplas e podem enfocar diversos aspectos, entre os quais:

1. procurar reproduzir em sala de aula o processo de criação da Matemática, apresentando as informações fundamentais para se entender a lógica de um determinado desenvolvimento;

2. conseguir apresentar uma significação para o tópico a ser apresentado e ao mesmo tempo justificar o simbolismo necessário ao formalismo da Matemática, para motivar o aluno a prosseguir seus estudos;

3. oferecer uma visão de conjunto da Matemática, ao favorecer as ligações entre as diversas temáticas sem o rigor característico da Matemática do presente, através das aplicações práticas que ocorreram na evolução histórica da Matemática;

4. atribuir a produção cultural da sociedade não exclusivamente a quem finalmente resolveu um problema, mas ao esforço e à criatividade de conjuntos de toda comunidade;

5. apresentar a Matemática como uma ciência em construção, mostrando os equívocos ocorridos durante o seu desenvolvimento como parte da natureza da atividade Matemática;

6. resgatar a identidade cultural da sociedade, através de uma compreensão externalista da História da Matemática;

7. revelar os fundamentos da Matemática;

8. contribuir para a formação de um pensamento independente e crítico sobre a construção histórica da Matemática.

Assim, a História da Matemática apresenta um potencial pedagógico muito grande e, mais especificamente, apresenta a possibilidade de trabalharmos os afetos envolvidos no processo de ensino aprendizagem de uma maneira positiva, podendo colaborar para quebrar o ciclo de exclusão em relação à matemática escolar que encontramos hoje. . O aluno, ao tomar contato com as produções de diferentes épocas e culturas, pode ressignificá-las com base em suas próprias experiências e estabelecer uma atividade dialógica com as diferentes características da linguagem matemática (natureza teórica e sistemática, coerência interna, procedimentos lógicos e lingüísticos ligados a uma axiomática própria, entre outras), que não se manifestam no conhecimento construído na escola.

domingo, 1 de agosto de 2010

Historiando Matematicamente
Contando com os romanos

De todas as civilizações da Antigüidade, a dos romanos foi sem dúvida a mais importante. Seu centro era a cidade de Roma. Desde sua fundação, em 753 a.C., até ser ocupada por povos estrangeiros em 476 d.C., seus habitantes enfrentaram um número incalculável de guerras de todos os tipos. Inicialmente, para se defenderem dos ataques de povos vizinhos; mais tarde nas campanhas de conquistas de novos territórios. Foi assim que, pouco a pouco, os romanos foram conquistando a península Itálica e o restante da Europa, além de uma parte da Ásia e o norte de África.

Apesar de a maioria da população viver na miséria, em Roma havia luxo e muita riqueza, usufruídas por uma minoria rica e poderosa. Roupas luxuosas, comidas finas e festas grandiosas faziam parte do dia-a-dia da elite romana. Foi nesta Roma de miséria e luxo que se desenvolveu e aperfeiçoou o número concreto, que vinha sendo usado desde a época das cavernas. Como foi que os romanos conseguiram isso?

O sistema de numeração romano

Os romanos foram espertos. Eles não inventaram símbolos novos para representar os números; usaram as próprias letras do alfabeto.

I V X L C D M Como será que eles combinaram estes símbolos para formar o seu sistema de numeração? O sistema de numeração romano baseava-se em sete números-chave: I tinha o valor 1. V valia 5. X representava 10 unidades. L indicava 50 unidades. C valia 100. D valia 500. M valia 1.000.

Quando apareciam vários números iguais juntos, os romanos somavam os seus valores.

II = 1 + 1 = 2 XX = 10 + 10 = 20 XXX = 10 + 10 + 10 = 30

Quando dois números diferentes vinham juntos, e o menor vinha antes do maior, subtraíam os seus valores.

IV = 4 porque 5 - 1 = 4 IX = 9 porque 10 – 1 = 9 XC = 90 porque 100 – 10 = 90

Mas se o número maior vinha antes do menor, eles somavam os seus valores.

VI = 6 porque 5 + 1 = 6 XXV = 25 porque 20 + 5 = 25 XXXVI = 36 porque 30 + 5 + 1 = 36 LX = 60 porque 50 + 10 = 60

Ao lermos o cartaz, ficamos sabendo que o exercíto de Roma fez numa certa época MCDV prisioneiros de guerra. Para ler um número como MCDV, veja os cálculos que os romanos faziam:

Em primeiro lugar buscavam a letra de maior valor. M = 1.000

Como antes de M não tinha nenhuma letra, buscavam a segunda letra de maior valor.

D = 500

Depois tiravam de D o valor da letra que vem antes.

D – C = 500 – 100 = 400

Somavam 400 ao valor de M, porque CD está depois e M.

M + CD = 1.000 + 400 = 1.400

Sobrava apenas o V. Então:

MCDV = 1.400 + 5= 1.405



Os milhares Como você acabou de ver, o número 1.000 era representado pela letra M. Assim, MM correspondiam a 2.000 e MMM a 3.000. E os números maiores que 3.000? Para escrever 4.000 ou números maiores que ele, os romanos usavam um traço horizontal sobre as letras que representavam esses números. Um traço multiplicava o número representado abaixo dele por 1.000. Dois traços sobre o M davam-lhe o valor de 1 milhão. O sistema de numeração romano foi adotado por muitos povos. Mas ainda era difícil efetuar cálculos com este sistema. Por isso, matemáticos de todo o mundo continuaram a procurar intensamente símbolos mais simples e mais apropriados para representar os números. E como resultado dessas pesquisas, aconteceu na Índia uma das mais notáveis invenções de toda a história da Matemática: O sistema de numeração decimal.

quarta-feira, 28 de julho de 2010


História da Matemática ( cont)

Descobrindo a fração

Por volta do ano 3.000 a.C., um antigo faraó de nome Sesóstris... “... repartiu o solo do Egito às margens do rio Nilo entre seus habitantes. Se o rio levava qualquer parte do lote de um homem, o faraó mandava funcionários examinarem e determinarem por medida a extensão exata da perda.” Estas palavras foram escritas pelo historiador grego Heródoto, há cerca de 2.300 anos. O rio Nilo atravessa uma vasta planície. Uma vez por ano, na época das cheias, as águas do Nilo sobem muitos metros acima de seu leito normal, inundando uma vasta região ao longo de suas margens. Quando as águas baixam, deixam descobertas uma estreita faixa de terras férteis, prontas para o cultivo. Desde a Antigüidade, as águas do Nilo fertilizam os campos, beneficiando a agricultura do Egito. Foi nas terras férteis do vale deste rio que se desenvolveu a civilização egípcia. Cada metro de terra era precioso e tinha de ser muito bem cuidado.

Sesóstris repartiu estas preciosas terras entre uns poucos agricultores privilegiados. Todos os anos, durante o mês de junho, o nível das águas do Nilo começava a subir. Era o início da inundação, que durava até setembro. Ao avançar sobre as margens, o rio derrubava as cercas de pedra que cada agricultor usava par marcar os limites do terreno de cada agricultor. Usavam cordas para fazer a medição. Havia uma unidade de medida assinada na própria corda. As pessoas encarregadas de medir esticavam a corda e verificavam quantas vezes aquela unidade de medida estava contida nos lados do terreno. Daí, serem conhecidas como estiradores de cordas. No entanto, por mais adequada que fosse a unidade de medida escolhida, dificilmente cabia um número inteiro de vezes no lados do terreno. Foi por essa razão que os egípcios criaram um novo tipo de número: o número fracionário. Para representar os números fracionários, usavam frações.

As complicadas frações egípcias

Os egípcios interpretavam a fração somente como uma parte da unidade. Por isso, utilizavam apenas as frações unitárias, isto é, com numerador igual a 1. Para escrever as frações unitárias, colocavam um sinal oval alongado sobre o denominador. As outras frações eram expressas através de uma soma de frações de numerador 1. Os egípcios não colocavam o sinal de adição - + - entre as frações, porque os símbolos das operações ainda não tinham sido inventados. No sistema de numeração egípcio, os símbolos repetiam-se com muita freqüência. Por isso, tanto os cálculos com números inteiros quanto aqueles que envolviam números fracionários eram muito complicados. Assim como os egípcios, outros povos também criaram o seu próprio sistema de numeração. Porém, na hora de efetuar os cálculos, em qualquer um dos sistemas empregados, as pessoas sempre esbarravam em alguma dificuldade. Apenas por volta do século III a.C. começou a se formar um sistema de numeração bem mais prático e eficiente do que os outros criados até então: o sistema de numeração romano.